Capítulo 2 - Dentro da Máquina: Como a Propaganda Se Disfarça de Informação em Salvador"

Salvador, 16 de Abril de 2035

Dois meses se passaram desde que Glória perdeu o emprego. Dois meses observando a cidade se acostumar com o medo, com as câmeras, com as palavras apagadas, com a ausência de perguntas.
O Nome de Paolo Fonseca estava em todos os cantos, mas nunca com críticas. E sempre em outdoors digitais, stories patrocinados e reportagens fabricadas: ele era vendido como o "Prefeito do Futuro", "Visionário Social", "Arquiteto da Nova Salvador".

Agência Horizonte 

Mas Glória sabia que por trás do slogan havia a engrenagem. Desempregada, sem renda, pressionada pela família e pela fome, Glória aceitou uma vaga como redatora numa agência de comunicação terceirizada da prefeitura: a Agência Horizonte. A função parecia simples: adaptar discursos e notícias institucionais para a linguagem digital das redes. Na prática, era propaganda disfarçada de informação, A sede do Instituto ficava num prédio recém-inaugurado na Ondina, com sensores de entrada, identificação facial e um auditório que mais parecia uma central de comando, era ali que se decidia o que o povo devia pensar.
Glória entrou como quem engole uma pílula amarga, não contou a ninguém de casa onde estava trabalhando e decidiu silenciosamente que se infiltrar era o único jeito de continuar resistindo contra o regime que acabou não só com a sua vida e de sua família, mas também com a vida de milhares de cidadãos.

Logo no início tudo parecia ser controlado e perfeito demais para que qualquer falha ocorresse, e era, até que após quase 1 mês trabalhando e anotando tudo de forma discreta, Glória descobriu a sala cinza, não havia nome na porta e era acessível apenas para diretores e analistas com credencial azul, mas ela viu quando Carla Fonseca, a filha do prefeito, influenciadora digital e CEO da empresa Gold Beauty, especializada em produtos de beleza, entrou acompanhada de dois homens vestidos como técnicos.

Naquela semana, Glória foi transferida para o setor de clipping e conteúdo monitorado, lá ela teve acesso a arquivos criptografados denominados de “Campanha F36”, “Projeto PAV” e outros documentos com nomes criptografados, porém por sorte (ou azar) Glória encontrou um documento aberto e ao abrir seus olhos se arregalaram, ali tinha um relatório que confirmava que a prefeitura monitorava de forma ilegal toda e qualquer atividade online de todos os moradores da cidade, com ajuda de empresas que tiveram seus nomes mantidos em sigilo, mas um chamou a atenção de Glória. Gold Beauty, a empresa de Carla Fonseca. 
E foi ali que ela entendeu tudo, a cidade havia se tornado um laboratório de manipulação, os dados captados pelas redes públicas e privadas, dos boletins escolares ao uso de Wi-Fi gratuito nos bairros eram cruzados com padrões emocionais e de consumo. A prefeitura, com apoio de empresas como a de Carla, havia desenvolvido um modelo para prever reações sociais. E para antecipá-las com medidas de contenção digital: perfis eram silenciados, vídeos eram deletados antes de viralizarem, conversas de WhatsApp eram criptografadas sem consentimento.

Era um controle psicológico mascarado de inovação

Glória anotou tudo e fez cópias dos arquivos criptografados, de cada e-mail suspeito e de cada relatório omitido. Ela sabia que precisava guardar aquilo mas também sabia que o sistema era fechado. Nada podia ser levado para fora sem ser criptografado ou visto. Mas como um sinal do universo ao seu favor nessa mesma semana num banheiro da agência, encontrou um bilhete escrito à mão, dobrado entre o papel higiênico de um rolo vazio:

 “Se você também está vendo, procure axé.zip.
A rede ainda vive.”

Glória guardou o bilhete no bolso, com coração disparado e finalmente após quase 2 meses ela respirou aliviada e foi ali que ela soube que não estava sozinha. Mas agora, mais do que nunca ela precisava continuar ali dentro da agência, com os olhos abertos.

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